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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Raízes e Perigos da Teologia da Substituição

A teologia da substituição afirma que a igreja substituiu Israel, que não possui mais parte no plano de Deus. Contudo, isso acarreta sérias consequências.

Teologia da substituição

Para a maioria dos cristãos, durante a maior parte da história da igreja, era impossível imaginar que Deus realmente estava falando sério quando prometeu a reunião do povo judeu, tanto terrena quanto espiritual. Afinal de contas, os judeus estavam espalhados pelo mundo inteiro há séculos e eram severamente perseguidos. Para alguns, parecia certo que o plano de Deus com os judeus havia terminado. Muitos estudiosos cristãos também interpretavam a Bíblia nesse sentido e não conseguiam imaginar que Israel voltaria a existir um dia.

Surgimento e consequências

Nas décadas seguintes à fundação da igreja, vários acontecimentos ocorreram paralelamente e contribuíram para o surgimento da teologia da substituição – o ensinamento de que Deus havia terminado sua relação com Israel e que a igreja havia substituído Israel para sempre. De acordo com Atos 20.21, havia milhares de judeus crentes no início.

Duas catástrofes por volta dessa época causaram um distanciamento cada vez maior entre os judeus messiânicos e o restante do mundo judaico. Na primeira revolta contra os romanos (70 d.C.), os judeus messiânicos obedeceram às palavras de Jesus – quando viram as tropas reunidas em torno de Jerusalém, fugiram da cidade e foram em grande parte poupados. A segunda revolta judaica, desencadeada pelo rabino Aquiba, que declarou Barcoquebas o Messias e convocou os judeus a lutar contra os romanos sob sua liderança (132-135 d.C.), distanciou ainda mais os judeus messiânicos do restante de Israel. O motivo era simples: os cristãos se recusaram a participar da revolta liderada por um falso messias. Essa segunda revolta foi reprimida com uma crueldade sem igual, mas novamente os judeus messiânicos saíram praticamente ilesos, pois não haviam participado da revolta.

Duas catástrofes por volta dessa época causaram um distanciamento cada vez maior entre os judeus messiânicos e o restante do mundo judaico.

A liderança farisaica remanescente, que mais tarde fundaria o judaísmo rabínico (que até hoje afirma ser a única forma legítima de judaísmo), declararam os seguidores judeus de Jesus como traidores e apóstatas e os excluíram da comunidade judaica. Ao mesmo tempo, o evangelho floresceu entre os gentios, que rapidamente se tornaram a grande maioria na igreja primitiva. Essa igreja logo abandonou suas raízes judaicas e assumiu um caráter mais greco-romano. Abaixo estão alguns exemplos notáveis.

Retornando até Justino Mártir por volta de 160 d.C., os crentes presumiam que “Israel” na verdade significava “a igreja”. O povo de Israel havia sido disperso e a terra passou a se chamar “Palestina”. Portanto, não é difícil entender por que isso aconteceu. Muitos pais da igreja, alguns dos quais defenderam bravamente a fé, escreveram coisas incrivelmente cruéis sobre o povo judeu e declararam que a igreja havia substituído Israel. Dessa forma, eles fundaram a teologia da substituição. Eles começaram a interpretar a Bíblia de forma simbólica e alegórica, eliminando todas as interpretações literais, inclusive o papel de Israel no plano de Deus. Isso levou a igreja primitiva a rejeitar a verdadeira terra de Israel e enxergar Jerusalém e a construção do templo como insignificantes ou até mesmo ruins, reinterpretando todas as referências a Israel como cumpridas por meio da igreja.

Justino Mártir (103-165) veio à fé de uma cultura pagã e estava bem familiarizado com a filosofia grega. Entretanto, em sua interpretação das Escrituras, ele começou a substituir a igreja por Israel. Ele também acreditava que a circuncisão era uma marca da desgraça, um símbolo de sofrimento e punição para os judeus (a circuncisão era considerada um defeito físico e uma desgraça no mundo greco-romano). Em 115 d.C., o bispo Inácio de Antioquia exortou seus leitores a “rejeitar tudo o que fosse judeu”, e o bispo Ireneu ensinou que quatro passagens proféticas importantes sobre a futura salvação de Israel (Isaías 26; Ezequiel 37–38; Jeremias 23) foram cumpridas quando os gentios acreditaram no Messias. Tertuliano (160-225) concordou com a opinião de Justino de que a circuncisão era uma marca da desgraça para os judeus e aplicou o versículo “o mais velho servirá o mais novo” (Gênesis 25.23) ao povo judeu e à igreja, dando aos judeus o papel de irmão mais velho. Orígenes (185-254), bispo de Alexandria, estabeleceu a base teórica da teologia da substituição ao desenvolver uma interpretação figurativa da Bíblia, de acordo com o espírito da filosofia grega.

Martinho Lutero ficou desapontado com o fato de o povo judeu não ter aceitado Jesus imediatamente após a Reforma e desenvolveu uma aversão acentuada aos judeus.

Agostinho de Hipona (354-430), uma das figuras mais influentes do pensamento cristão e secular, foi batizado por Ambrósio, bispo de Milão, que ensinou e promoveu a perseguição aos judeus e a queima de sinagogas. Em seus escritos, Agostinho adota a mesma abordagem teológica sobre Israel que Orígenes e Ambrósio. O ponto mais baixo é encontrado em seu ensaio Contra os judeus, que é um dos escritos mais antijudaicos desde Orígenes. A partir da Idade Média, os escritos de Agostinho foram considerados quase irrepreensíveis, e a teologia da substituição e as atitudes antijudaicas tornaram-se a norma na igreja. Martinho Lutero (1483-1546), o iniciador da Reforma Protestante, ficou desapontado com o fato de o povo judeu não ter aceitado Jesus imediatamente após a Reforma e desenvolveu uma aversão acentuada aos judeus. Ele defendeu a queima de sinagogas, a destruição de casas judaicas e sugeriu que os cristãos deveriam roubar os judeus e transformá-los em trabalhadores escravos. Seus escritos cáusticos contra o povo judeu foram usados posteriormente na propaganda nazista.

Da teologia da substituição à teologia do cumprimento

A teologia da substituição ensina, portanto, que as alianças de Deus com Israel foram anuladas porque eles rejeitaram, como povo, o Messias. Portanto, a igreja substitui o povo de Israel no plano de Deus, tanto agora quanto no futuro. A teologia da substituição ensina que todas as bênçãos mencionadas na Bíblia com relação ao povo judeu agora pertenceriam à igreja e seriam cumpridas nela. Portanto, muitas passagens bíblicas que falam das bênçãos futuras e da restauração do povo judeu à sua terra são entendidas apenas em um sentido “espiritual” ou figurativo, como parábola. Supõe-se que elas encontraram ou encontrarão seu cumprimento na igreja.

No entanto, os eventos de 1948 nos confrontaram com a possibilidade chocante de que, quando a Bíblia fala sobre Israel, ela poderia literalmente referenciar Israel! Esse acontecimento poderia, por um lado, ter sido uma grande oportunidade para percebermos que a Palavra de Deus é muito mais verdadeira do que imaginávamos. Por outro lado, os eventos de 1948 significaram não apenas o restabelecimento da pátria judaica, mas também a insegurança dos árabes que já viviam ali. As forças do islã e a raiva dos árabes palestinos reassentados fizeram com que a gloriosa alegria do cumprimento das promessas de Deus fosse agora acompanhada de violência, tumultos e sofrimento. Apesar de o domínio do islã sobre a terra santa ter chegado ao fim e de o povo judeu ter sido milagrosamente reunido após dois mil anos, a maioria dos árabes cristãos não via os eventos com alegria nem como dirigidos por Deus.

Os eventos de 1948 nos confrontaram com a possibilidade chocante de que, quando a Bíblia fala sobre Israel, ela poderia literalmente referenciar Israel!

Elias Chacour, arcebispo de Israel da Igreja Greco-Católica Melquita, escreveu: “Durante séculos, fomos ensinados que os judeus eram o povo escolhido. Não acreditamos mais que eles sejam o povo escolhido de Deus, porque agora temos uma nova compreensão da eleição”.[1] Seu livro Blood Brothers [Irmãos de sangue] teve um impacto profundo sobre os cristãos do mundo todo. Ele e muitos outros membros do clero palestino se recusam veementemente a ver a restauração de Israel como o cumprimento da profecia bíblica e redobraram seus esforços para continuar a enfatizar a teologia da substituição – apesar do fato de que as promessas de Deus a Israel estão sendo cumpridas diante de nossos próprios olhos.

Em tempos mais recentes, a teologia da substituição foi renomeada como “teologia do cumprimento”. O termo soa menos como “aquisição hostil”, mas a essência é a mesma. Aqui estão alguns exemplos de escritores evangélicos contemporâneos: “O único cumprimento de todas as promessas e profecias já aconteceu diante de seus olhos na pessoa de Jesus”. Assim escreve Colin Chapman em seu livro Whose Promised Land? [De quem é a terra prometida?]. Gary M. Burge escreve: “Jesus não tem como objetivo a restauração de Israel como tal, mas, em vez disso, vê a si mesmo como aquele que completou o drama de Jerusalém em sua própria vida [...] O início da restauração de Israel já começou, por assim dizer, por meio do surgimento de Cristo, o novo templo, a nova Jerusalém”, em Jesus and the Land [Jesus e a terra]. Portanto, eles afirmam que todas as promessas do retorno do povo judeu à sua terra já foram cumpridas em Jesus. Mas essa maneira de pensar nos leva a uma série de problemas.

A perpetuidade das alianças de Deus com Israel

Em primeiro lugar, essa teologia geralmente surge de uma preocupação com a justiça social e a igualdade para todos, porque ela se incomoda com a aparente parcialidade de Deus. No entanto, em última análise, ela distorce o que Deus disse e fez. Levada à sua conclusão lógica, uma teologia que aceita apenas o que parece certo e confortável na Bíblia leva a uma negação completa da divindade e da autoridade do texto bíblico. Naim Ateek, uma das forças motrizes dessa nova teologia cristã palestina, chega ao ponto de exigir que as passagens do livro de Juízes (em que Israel conquista a terra e mata os cananeus de acordo com a ordem de Deus) sejam descartadas, juntamente com vários textos de Isaías em que Deus declara inequivocamente seu amor por Israel. Ele declara que esses textos devem ser “dessionizados” no livro Justice and Only Justice [Justiça e somente justiça]. No fim das contas, isso é um ataque à pessoa e ao caráter do próprio Deus, porque eles se recusam a acreditar que o que Deus disse e fez na Bíblia é justo e correto.

Em segundo lugar, a palavra “Israel” é mencionada mais de 800 vezes na Bíblia, 79 vezes no Novo Testamento, o que mostra a importância do conceito de Israel. Mas a palavra nunca se refere à “igreja”. Experimente ler Romanos 9–11 e, sempre que a palavra “Israel” for mencionada, substitua-a pela palavra “igreja”. Você verá rapidamente que isso não faz sentido algum! “Israel” na verdade significa “Israel” tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos! Embora o Novo Testamento frequentemente descreva Israel e a igreja com palavras semelhantes – ambos são a noiva de Deus, filhos de Deus, povo escolhido etc. –, o Novo Testamento nunca chama a igreja de “Israel”.

Se as promessas incondicionais de Deus a Israel com relação à sua preservação, restauração e salvação são apenas uma parábola e podem ser anuladas, então qual é o valor de suas promessas para nós?

Por fim, o esforço para descartar Israel dos planos de Deus significa que você está, em última análise, dirigindo seu próprio veículo para o abismo, pois, assim que você considerar as promessas de Deus como mutáveis, isso também se aplicará às promessas dele para você. Se as promessas incondicionais de Deus a Israel com relação à sua preservação, restauração e salvação são apenas uma parábola e podem ser anuladas, então qual é o valor de suas promessas para nós?

Deus mantém sua Palavra

Muitas pessoas se incomodam com o fato de Deus ter escolhido Israel porque isso parece injusto para elas, mas Deus não escolheu um favorito. Ele buscou um recipiente para trazer sua Palavra (a escrita e a encarnada) à terra. Ele escolheu um exemplo. Ele escolheu Israel para dar lições ilustrativas ao mundo. Houve muitas ocasiões em que esse papel se mostrou extremamente difícil e custoso. Quando um juiz decide punir alguém “exemplarmente”, não é apenas para corrigir o comportamento do infrator, mas para ensinar uma lição a todos os observadores ao redor. Isso também faz parte do que a eleição de Israel implica.

Contudo, apesar de todo o pecado de Israel, Deus ainda se mantém firme em suas promessas por causa de seu nome. Que o mundo veja e entenda esta lição que Israel representa para nós neste momento específico: Deus cumpre suas promessas.

Nota

[1] Elias Chacour, “Reconciliation and Justice: Living with the Memory”, Holy Land – Hollow Jubilee: God, Justice, and the Palestinians, ed. Naim Ateek e Michael Prior (Londres: Melisende, 1999), p. 112.


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